quinta-feira, 28 de abril de 2011

Um crime a caminho da impunidade

Um crime a caminho da impunidade
Antonio Augusto Dunshee de Abranches

O aumento da criminalidade violenta no pais levou os nossos meios de comunicação a abandonar o velho estilo de noticiar friamente os fatos e introduzir informações complementares, a fim de dar ao público elementos suficientes para tirar suas próprias conclusões acerca daquilo que receberam do noticiário. Exemplo dessa nova fase é o aditamento que jornais, rádios e televisões passaram a fazer após divulgarem um homicídio: "doloso - quando há intenção de matar; culposo - quando não há intenção de matar". Embora esses dois elementos isoladamente sejam insuficientes para se chegar a uma condenação, no caso da menina Isabella a população já fez um julgamento dos pais e pede para eles a aplicação da pena máxima. Isto significa que a maioria não se interessou em saber se houve dolo ou culpa, apesar da diferença muitas vezes repetida no amplo noticiário que se seguiu ao crime brutal.
Porém, para a justiça que vai julgar e aplicar a pena é essencial saber se a morte foi por agressão, seguida de asfixia, provocada por um parente num acesso de fúria; ou se foi conseqüência da queda do corpo do 6º andar do prédio onde moravam seu pai e sua madrasta. Isto porque, juridicamente, se a morte foi por espancamento, o crime é culposo - sem intenção de matar; se foi pela queda do 6º andar o crime e doloso - com intenção de matar. Mas, em vez de se concentrar na busca dessa prova vital para a condenação dos culpados, a polícia de São Paulo preferiu o estrelismo, dar entrevistas em vez de investigar e fazer um trabalho profissional capaz de dar suporte à indignação de enorme parcela da população brasileira como apurou recente pesquisa; preferiu produzir o show televisivo, que denominou de "reconstituição do crime", que não passou de uma ridícula exibição de egos, de baixa qualidade, com a incompreensível e desnecessária exibição de poderosas armas de guerra, de grosso calibre, portadas por policiais que andavam de um lado para outro sempre em frente às câmeras.


Agora, na conclusão do inquérito, percebe-se a reticência dos peritos em afirmar a causa da morte de Isabella. Foram dúbios. Constaram a asfixia da menina, relataram uma parada respiratória, mas não foram conclusivos em afirmar que Isabella morreu dentro do apartamento. Com essa falha, é provável que o brutal crime fique impune, pois os culpados só serão levados a júri se ficar comprovado, com dados técnicos indiscutíveis, que Isabella morreu da queda do 6º andar. Se essa prova não chegar, a nossa legislação penal considera crime culposo a agressão a um criança castigada por atitude supostamente incorreta, ainda que violenta e excessiva; no castigo imoderado não há intenção de matar. Raros os casos em que agressão a menor se enquadra em dolo eventual, aquele em que o agente não quis o resultado mas assumiu o risco de produzi-lo. Assim, o crime contra Isabella provalvelmente será considerado culposo, apesar de seguido de morte; e a pena será de 4 anos de reclusão, tempo que permite a soltura do culpado após cumprir 1/6 da pena. E nesse julgamento, não se deve esquecer que o juiz levará em conta que aquela família, minutos antes da morte de Isabella, foi filmada pelas câmeras de segurança de um shopping center passeando de mãos dadas na maior harmonia, razão pela qual ninguém em sã consciência pode dizer que já estavam preparando um assassinato.
Concluindo, a razão está o nosso Arnaldo Jabor. O Brasil precisa atualizar seu código penal. Há condutas que no passado eram consideradas crimes leves e que hoje são ações hediondas. É monstruoso jogar o corpo de uma criança da janela de um 6º andar; foi monstruoso queimar o corpo de Tim Lopes no alto de uma favela; foi monstruoso um médico retalhar o corpo da amante para encobrir seu crime . No entanto, esses crimes, no código atual, tem punição banal. Precisamos reescrever nosso código.

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