O fenômeno Flamengo
Antonio Augusto Dunshee de Abranches
Nos últimos meses, a torcida do Flamengo tem protagonizado espetáculos de rara emoção e beleza nas tardes e noites do Maracanã ao comparecer em massa para empurrar seu time - até então desacreditado e sem chance de vencer a atual competição brasileira - em direção à disputa da Taça Libertadores da América de 2008. Para explicar esse fenômeno, há várias teorias sobre o porquê de o Flamengo provocar tanto fascínio em todo território nacional há mais de 5 décadas. As mais plausíveis trabalham com três hipóteses: a) desde a década de 40, suas vitórias e seus múltiplos títulos conquistados no Rio de Janeiro eram transmitidos pelos locutores em onda curta da Rádio Nacional, a única que alcançava quase todo o país; e deu ao clube o título de "O Mais Querido do Brasil"; b) desde o primeiro tricampeonato, em 1942, até o último, em 2000, o Flamengo sempre contou com ídolos do naipe de Zizinho a Zico; c) desde a fundação, teve 4 tricampeonatos cariocas, 5 campeonatos brasileiros, 1 campeonato sul-americano (Taça Libertadores) e o mais expressivo de todos - Campeão do Mundo. em 1981, em Tóquio. Portanto, para esses, foi rádio, em 50 anos de transmissões de futebol, que elevou o Flamengo ao lugar que desfruta no coração de milhões de brasileiros.
Hoje, porém, a situação mudou, como está sendo provado em 2007, com o comparecimento da torcida mesmo sem o Flamengo ter como conquistar o título de campeão. O que mudou? Em primeiro lugar, mudou a FIFA, que proibiu a presença de 150 mil espectadores no Maracanã assistindo as partidas em pé e limitou a capacidade dos estádios a quase 50% do espaço existente, obrigando a colocação de assentos e ingressos numerados. Com isso, alguns estimavam que a paixão pelo futebol poderia reduzir-se. Mas, ao contrário, o efeito foi favorável. E a responsável pela nova era foi o fenômeno televisão, que acabou por multiplicar torcedores. Prova disso é que hoje já se aceita, sem contestação, que há 135 milhões de torcedores do Flamengo, em todo o Brasil, que se mostram na TV quando o time vai jogar fora do Rio, sempre diante de uma platéia maior que a do time local.
De fato, nos últimos anos da década de 70, a TV GLOBO fez pioneira parceria com o Flamengo - e depois com os demais clubes - para transmissão remunerada das suas partidas de futebol. As partes interessadas tiveram tanto sucesso que, recentemente, o futebol saiu da grade de esporte e passou para a de entretenimento, proporcionando a todos uma divulgação extraordinária através da transmissões diretas e no sistema pey-per-vieux. Assim, de alguns anos para cá, às quartas, sábados e domingos, o futebol está presente na casa de todos os brasileiros. E, por osmose, a torcida do Flamengo vai aumentando em progressão geométrica. Os recordes de presença de público pagante na atual fase do campeonato brasileiro de 2007 confirmam que a novidade provém da divulgação que a TV dá ao futebol. Aliás, em todo o mundo o futebol passou a ser mais um espetáculo de televisão de que ao vivo, em razão da aplicação das mesmas regras impostas pela FIFA.
No Brasil, embora não tanto quanto os europeus, com moedas mais fortes e adiantados no uso do marketing e do merchandising, os clubes passaram a ganhar rios de dinheiro pela comercialização das suas imagens e marcas. Nunca é perigoso afirmar uma realidade: o futebol no Brasil de hoje é puro business e sobre essa verdade merecem ser citadas três pessoas já falecidas, na ordem cronológica das decisões tomadas: João Carlos Magaldi, Walter Clark e Roberto Marinho. Os dois primeiros, atuando simultaneamente como dirigentes do Flamengo, fundadores da FAF (Frente Ampla pelo Flamengo) em 1976 e diretores da TV Globo; o último, um homem de grande visão midiática e empresarial, que autorizou a ação dos seus subordinados no sentido da assinatura do contrato com os clubes para transmissão remunerada de partidas de futebol.
Porém, não pararam aí as ações necessárias ao desenvolvimento do futebol como fonte de recursos através da televisão. Houve lutas árduas, em outras áreas, com o Flamengo sempre na frente de combate. Com efeito, no ano de 1977, ainda não era permitida a propaganda na camisa dos clubes do Brasil. O CND (Conselho Nacional de Desportos) implicava muito com a idéia e tinha a primazia de legislar sobre esportes. Não havia meio de concordar com a novidade. Então, o departamento de relações externas do Flamengo desfechou o golpe fatal: começou a endereçar petições ao CND com teses de direito civil incompatíveis com controle do poder público. Alegava propriedade privada sobre a camisa do seu time e seus espaços publicitários liberados em todo o mundo; pediu liberdade de associação e denunciou a ausência de lei federal sobre a matéria. Com isso atraiu para o debate dois aliados, Carlos Arthur Nuzman e Francisco Horta, ambos do Fluminense. Acuado, finalmente o CND expediu resolução dando na autorização para propaganda num pequeno retângulo na camisa. Então, surgiu a parceria do Flamengo com a Petrobrás, a pioneira, que frutifica até hoje, desde 1983.
No entanto, ainda faltava um obstáculo a vencer - os clubes dos países vizinhos, participantes da Taça Libertadores da América, que, por regulamento, tinham o direito de receber os direitos das transmissões dos jogos realizados no Brasil (para milhões de brasileiros), enquanto que os brasileiros eram obrigados a se contentar com a receita dos jogos de lá, transmitidos para poucas centenas de telespectadores. Era um verdadeiro assalto. Para reverter o quadro, foi movimentado André Richer, rubro-negro roxo e ex-presidente do clube, double de consultor jurídico da CND, que comprou a grande briga pedida pelo departamento de relações externas do Flamengo: oficiou à EMBRATEL e proibiu por tempo indeterminado a saída e a entrada pelo satélite do sinal de TV dos jogos Flamengo na Libertadores de 1981. Foi o golpe de misericórdia. O regulamento da Confederação Sul Americana mudou rapidinho e os clubes brasileiros passaram a ter uma considerável renda mensal (propaganda na camisa + receita da TV), o que lhes permitiu viver desde então sem as expressivas rendas das bilheterias dos estádios. O Flamengo continua a ser o clube que mais recebe dinheiro de propaganda, mas há 15 anos não ganha um campeonato brasileiro. Alguma coisa está errada.
Antonio Augusto Dunshee de Abranches foi o presidente do
Flamengo na conquista do título de Campeão do Mundo.
quinta-feira, 28 de abril de 2011
Mania de iludir
Mania de Iludir (O Globo /02/06/05)
Antonio Augusto Dunshee de Abranches
Quem conhece um pouco do funcionamento interno de um clube de futebol profissional sabe que o problema maior que os aflige, o que gera as astronômicas dívidas com a Receita Federal e a Previdência Social, é o enquadramento legal da associação desportiva - sem fim lucrativo - como uma empresa qualquer, que é obrigada a recolher aos cofres públicos mais de 100% do salário que paga aos profissionais que lhe servem. Sim, porque um clube de futebol profissional não tem nada de parecido com uma empresa, a começar pela necessidade de contratar profissionais por tempo certo, apenas para uma temporada, um campeonato ou um torneio. Clube nenhum acena para os que lhe servem com uma carreira sólida, com promoções e patamares salariais. Isso ficou mais evidente depois da Lei Pelé, que acabou com o vínculo dos jogadores aos clubes pela simples inscrição deles nas federações; e impôs que a ligação seja feita por contrato, de prazo determinado, ao fim do qual o atleta estará livre para se transferir para onde quiser. Não há nada mais palpável que a precariedade das relações entre clubes e profissionais do esporte. Proporcionalmente, são raros os casos de ex-atletas que se tornam funcionários dos clubes e lá permaneceram trabalhando, em busca de promoções, como acontece nas verdadeiras empresas, que possuem regras definidas para o acesso vertical.
Os clubes de futebol profissional nunca tiveram uma receita definida, que permitisse a elaboração de um orçamento confiável e uma vida empresarial autêntica. Tudo que se fala sobre clube-empresa é uma utopia. Não pode ser empresa uma entidade que faz o seu caixa em função do que arrecada na bilheteria dos estádios, sujeito a chuvas e trovoadas; e eventualmente na venda de um jogador para o exterior. Esta situação só é melhor para uns poucos, que não podem servir como exemplo, porque são os bafejados por grandes torcidas, que conseguem bons patrocínios e cotas satisfatórias pela transmissões da televisão. Porém, mesmo entre estes, apenas dois conseguiram parcerias por prazo superior a um ano. A maioria fica dependendo do resultado do time em campo para tentar uma renovação.
Por falta de uma estrutura financeira real, quase todos trazem do passado uma enorme dívida previdenciária e fiscal, que decorre de uma apuração unilateral, imposta pela fiscalização oficial, com base em estimativas de faturamento inexistente. O governo federal sabe disso, mas fecha os olhos para as verdadeiras causas do problema. Agora, anuncia o Timemania como uma dádiva e salvação, mas incoerentemente concede apenas 5 anos para quitação desse passivo, que se sabe, de antemão, ser impossível de pagar em tão curto período. O leitor há de concordar que não tem cabimento um clube continuar a ser forçado, pelas leis de mercado, a pagar mais de R$ 100 mil por mês a um jogador ou a um técnico e ter essa despesa dobrada com o recolhimento dos encargos sociais ao INSS e ao Fundo de Garantia. Essa é uma verdade que os clubes de futebol profissional esperam fazer ver ao Congresso Nacional, a fim de levar deputados e senadores a aproveitarem a oportunidade que lhes foi aberta com a Medida Provisória que instituiu o Timemania e introduzirem três modificações legislativas verdadeiramente salvadoras: primeira - permissão para que os profissionais de esporte (jogadores, técnicos e assistentes, preparadores físicos, médicos, massagistas etc) sejam admitidos nos clubes como autônomos, só se tornando empregados se ficarem mais de dois anos no serviço; segunda - abertura de prazo para revisão da anunciada dívida previdenciária e fiscal dos clubes; terceira - ampliação para 30 anos do prazo para a quitação da dívida que vier a ser apurada. Caso contrário, governo federal e clube continuarão a viver a mentira de que um finge que cobra e o outro finge que paga.
Antonio Augusto Dunshee de Abranches
Quem conhece um pouco do funcionamento interno de um clube de futebol profissional sabe que o problema maior que os aflige, o que gera as astronômicas dívidas com a Receita Federal e a Previdência Social, é o enquadramento legal da associação desportiva - sem fim lucrativo - como uma empresa qualquer, que é obrigada a recolher aos cofres públicos mais de 100% do salário que paga aos profissionais que lhe servem. Sim, porque um clube de futebol profissional não tem nada de parecido com uma empresa, a começar pela necessidade de contratar profissionais por tempo certo, apenas para uma temporada, um campeonato ou um torneio. Clube nenhum acena para os que lhe servem com uma carreira sólida, com promoções e patamares salariais. Isso ficou mais evidente depois da Lei Pelé, que acabou com o vínculo dos jogadores aos clubes pela simples inscrição deles nas federações; e impôs que a ligação seja feita por contrato, de prazo determinado, ao fim do qual o atleta estará livre para se transferir para onde quiser. Não há nada mais palpável que a precariedade das relações entre clubes e profissionais do esporte. Proporcionalmente, são raros os casos de ex-atletas que se tornam funcionários dos clubes e lá permaneceram trabalhando, em busca de promoções, como acontece nas verdadeiras empresas, que possuem regras definidas para o acesso vertical.
Os clubes de futebol profissional nunca tiveram uma receita definida, que permitisse a elaboração de um orçamento confiável e uma vida empresarial autêntica. Tudo que se fala sobre clube-empresa é uma utopia. Não pode ser empresa uma entidade que faz o seu caixa em função do que arrecada na bilheteria dos estádios, sujeito a chuvas e trovoadas; e eventualmente na venda de um jogador para o exterior. Esta situação só é melhor para uns poucos, que não podem servir como exemplo, porque são os bafejados por grandes torcidas, que conseguem bons patrocínios e cotas satisfatórias pela transmissões da televisão. Porém, mesmo entre estes, apenas dois conseguiram parcerias por prazo superior a um ano. A maioria fica dependendo do resultado do time em campo para tentar uma renovação.
Por falta de uma estrutura financeira real, quase todos trazem do passado uma enorme dívida previdenciária e fiscal, que decorre de uma apuração unilateral, imposta pela fiscalização oficial, com base em estimativas de faturamento inexistente. O governo federal sabe disso, mas fecha os olhos para as verdadeiras causas do problema. Agora, anuncia o Timemania como uma dádiva e salvação, mas incoerentemente concede apenas 5 anos para quitação desse passivo, que se sabe, de antemão, ser impossível de pagar em tão curto período. O leitor há de concordar que não tem cabimento um clube continuar a ser forçado, pelas leis de mercado, a pagar mais de R$ 100 mil por mês a um jogador ou a um técnico e ter essa despesa dobrada com o recolhimento dos encargos sociais ao INSS e ao Fundo de Garantia. Essa é uma verdade que os clubes de futebol profissional esperam fazer ver ao Congresso Nacional, a fim de levar deputados e senadores a aproveitarem a oportunidade que lhes foi aberta com a Medida Provisória que instituiu o Timemania e introduzirem três modificações legislativas verdadeiramente salvadoras: primeira - permissão para que os profissionais de esporte (jogadores, técnicos e assistentes, preparadores físicos, médicos, massagistas etc) sejam admitidos nos clubes como autônomos, só se tornando empregados se ficarem mais de dois anos no serviço; segunda - abertura de prazo para revisão da anunciada dívida previdenciária e fiscal dos clubes; terceira - ampliação para 30 anos do prazo para a quitação da dívida que vier a ser apurada. Caso contrário, governo federal e clube continuarão a viver a mentira de que um finge que cobra e o outro finge que paga.
A venda de jogadores jovens para o exterior
Antonio Augusto Dunshee de Abranches
Bateu na vidraça do Palácio do Planalto a pedra que costuma ser jogada contra os clubes de futebol que vendem seus craques ainda jovens para o exterior. Embora essa prática nociva ao futebol brasileiro perdure há cerca de 30 anos, desde que foram sancionadas sucessivamente as chamadas leis Zico e Pelé, nos governos Collor e Fernando Henrique, o petardo acabou atingindo o presidente Lula, porque criticou a seleção brasileira e recebeu uma resposta grosseira do goleiro Júlio Cesar. O incidente não teve maiores conseqüências, mas abre espaço para lembrar que a causa do êxodo dos nossos melhores jogadores não deve ser imputada aos somente aos clubes.
De fato, até 1993, quando foi sancionada a Lei Zico, o candidato a jogador de futebol procurava um clube (ou era descoberto por olheiros) , fazia testes, mostrava suas habilidades e era imediatamente "federado", ou seja, assinava uma ficha de inscrição na federação de futebol do estado onde morava. Este ato criava um "vínculo" do jogador com o clube, chamado "passe". A conseqüência era que, embora amador, o "federado" não podia se transferir para outro clube sem a concordância daquele que o "federara", como garantia do investimento que faria daí em diante, dando-lhe casa, comida, colégio, saúde, preparo físico e alguma ajuda de custo para a família pobre. O clube tinha o objetivo de transformar a jovem promessa num verdadeiro craque, capaz de contribuir para a conquista de títulos. Melhor exemplo da eficácia daquele sistema foi a transformação do próprio Zico, que chegou ao Flamengo numa condição física insatisfatória e se tornou o maior craque da história do clube.
Com o advento da Lei Pelé, a situação mudou radicalmente tudo que regulava a prática do futebol no país. Acabou com o "passe". O "vínculo" do jogador com o clube passou a ser um contrato de trabalho da CLT, com prazo máximo de 5 anos e direitos sociais iguais aos de todos os trabalhadores. Mas, esta mudança fragilizou a estrutura das divisões de base dos clubes. Daí em diante, se surge um jogador de 16 anos, como uma promessa de craque, para segurá-lo no clube não há outra alternativa senão dar-lhe um contrato de trabalho até 21 anos, pagar-lhe bons salários e os encargos sociais correspondentes, durante 5 anos, e torcer para que a promessa se transforme em realidade. Essa novidade pode pareceu à primeira vista justa para um determinado jogador, mas no conjunto, a realidade mostrou-se outra: a) o amor à camisa desapareceu; b) a maioria dos jogadores formados na base ambiciona assinar contrato com outro clube, ir para a Europa ou até para o maior adversário do clube que o formou; c) as equipes de juvenis e juniores, que necessitam de pelo menos 30 garotos em atividade, não suportam os assédios aos jovens para trocarem de time.
Em conseqüência, os clubes passaram a ser formadores de craques para os empresários, novas e sinistras pessoas milionárias, surgidas no futebol, a partir da Lei Pelé, que realizam fabulosos lucros, porque não pagam impostos, salários e encargos; porque atuam à sombra de procurações assinadas por pais de jogadores com pouca instrução e muita ambição, dando-lhes poderes ilimitados para transferir para outrem seus filhos formados nos clubes. Em outras palavras, os empresários são "clubes informais", que se colocam à margem do INSS e da Receita Federal.
Portanto, se o presidente Lula está preocupado com a seleção brasileira, não lhe custa formar um grupo de trabalho voltado para as correções indispensáveis à Lei Pelé. A primeira delas, sem dúvida, é definir os clubes de futebol como sociedades atípicas, sem fins lucrativos, que não devem ser enquadradas da mesma forma que os contribuintes que visam o lucro. No Flamengo e no Corinthians, por exemplo, a manutenção de um time de futebol capaz de honrar as tradições dos dois clubes é incompatível com a obrigação de fazer uma gestão sob a forma de empresa, com os pesados ônus dai decorrentes. Clubes de futebol no Brasil, pela sua importância para a quase totalidade da população, devem receber incentivos fiscais; jogadores de futebol devem receber do Estado, ncentivos para ficar no Brasil e valorizarem as camisas que vestem, independentemente do dinheiro que ganham. É fácil mudar. Falta vontade política.
Antonio Augusto Dunshee de Abranches é ex-presidente do Flamengo, campeão do mundo em 1981
Antonio Augusto Dunshee de Abranches
Bateu na vidraça do Palácio do Planalto a pedra que costuma ser jogada contra os clubes de futebol que vendem seus craques ainda jovens para o exterior. Embora essa prática nociva ao futebol brasileiro perdure há cerca de 30 anos, desde que foram sancionadas sucessivamente as chamadas leis Zico e Pelé, nos governos Collor e Fernando Henrique, o petardo acabou atingindo o presidente Lula, porque criticou a seleção brasileira e recebeu uma resposta grosseira do goleiro Júlio Cesar. O incidente não teve maiores conseqüências, mas abre espaço para lembrar que a causa do êxodo dos nossos melhores jogadores não deve ser imputada aos somente aos clubes.
De fato, até 1993, quando foi sancionada a Lei Zico, o candidato a jogador de futebol procurava um clube (ou era descoberto por olheiros) , fazia testes, mostrava suas habilidades e era imediatamente "federado", ou seja, assinava uma ficha de inscrição na federação de futebol do estado onde morava. Este ato criava um "vínculo" do jogador com o clube, chamado "passe". A conseqüência era que, embora amador, o "federado" não podia se transferir para outro clube sem a concordância daquele que o "federara", como garantia do investimento que faria daí em diante, dando-lhe casa, comida, colégio, saúde, preparo físico e alguma ajuda de custo para a família pobre. O clube tinha o objetivo de transformar a jovem promessa num verdadeiro craque, capaz de contribuir para a conquista de títulos. Melhor exemplo da eficácia daquele sistema foi a transformação do próprio Zico, que chegou ao Flamengo numa condição física insatisfatória e se tornou o maior craque da história do clube.
Com o advento da Lei Pelé, a situação mudou radicalmente tudo que regulava a prática do futebol no país. Acabou com o "passe". O "vínculo" do jogador com o clube passou a ser um contrato de trabalho da CLT, com prazo máximo de 5 anos e direitos sociais iguais aos de todos os trabalhadores. Mas, esta mudança fragilizou a estrutura das divisões de base dos clubes. Daí em diante, se surge um jogador de 16 anos, como uma promessa de craque, para segurá-lo no clube não há outra alternativa senão dar-lhe um contrato de trabalho até 21 anos, pagar-lhe bons salários e os encargos sociais correspondentes, durante 5 anos, e torcer para que a promessa se transforme em realidade. Essa novidade pode pareceu à primeira vista justa para um determinado jogador, mas no conjunto, a realidade mostrou-se outra: a) o amor à camisa desapareceu; b) a maioria dos jogadores formados na base ambiciona assinar contrato com outro clube, ir para a Europa ou até para o maior adversário do clube que o formou; c) as equipes de juvenis e juniores, que necessitam de pelo menos 30 garotos em atividade, não suportam os assédios aos jovens para trocarem de time.
Em conseqüência, os clubes passaram a ser formadores de craques para os empresários, novas e sinistras pessoas milionárias, surgidas no futebol, a partir da Lei Pelé, que realizam fabulosos lucros, porque não pagam impostos, salários e encargos; porque atuam à sombra de procurações assinadas por pais de jogadores com pouca instrução e muita ambição, dando-lhes poderes ilimitados para transferir para outrem seus filhos formados nos clubes. Em outras palavras, os empresários são "clubes informais", que se colocam à margem do INSS e da Receita Federal.
Portanto, se o presidente Lula está preocupado com a seleção brasileira, não lhe custa formar um grupo de trabalho voltado para as correções indispensáveis à Lei Pelé. A primeira delas, sem dúvida, é definir os clubes de futebol como sociedades atípicas, sem fins lucrativos, que não devem ser enquadradas da mesma forma que os contribuintes que visam o lucro. No Flamengo e no Corinthians, por exemplo, a manutenção de um time de futebol capaz de honrar as tradições dos dois clubes é incompatível com a obrigação de fazer uma gestão sob a forma de empresa, com os pesados ônus dai decorrentes. Clubes de futebol no Brasil, pela sua importância para a quase totalidade da população, devem receber incentivos fiscais; jogadores de futebol devem receber do Estado, ncentivos para ficar no Brasil e valorizarem as camisas que vestem, independentemente do dinheiro que ganham. É fácil mudar. Falta vontade política.
Antonio Augusto Dunshee de Abranches é ex-presidente do Flamengo, campeão do mundo em 1981
Um crime a caminho da impunidade
Um crime a caminho da impunidade
Antonio Augusto Dunshee de Abranches
O aumento da criminalidade violenta no pais levou os nossos meios de comunicação a abandonar o velho estilo de noticiar friamente os fatos e introduzir informações complementares, a fim de dar ao público elementos suficientes para tirar suas próprias conclusões acerca daquilo que receberam do noticiário. Exemplo dessa nova fase é o aditamento que jornais, rádios e televisões passaram a fazer após divulgarem um homicídio: "doloso - quando há intenção de matar; culposo - quando não há intenção de matar". Embora esses dois elementos isoladamente sejam insuficientes para se chegar a uma condenação, no caso da menina Isabella a população já fez um julgamento dos pais e pede para eles a aplicação da pena máxima. Isto significa que a maioria não se interessou em saber se houve dolo ou culpa, apesar da diferença muitas vezes repetida no amplo noticiário que se seguiu ao crime brutal.
Porém, para a justiça que vai julgar e aplicar a pena é essencial saber se a morte foi por agressão, seguida de asfixia, provocada por um parente num acesso de fúria; ou se foi conseqüência da queda do corpo do 6º andar do prédio onde moravam seu pai e sua madrasta. Isto porque, juridicamente, se a morte foi por espancamento, o crime é culposo - sem intenção de matar; se foi pela queda do 6º andar o crime e doloso - com intenção de matar. Mas, em vez de se concentrar na busca dessa prova vital para a condenação dos culpados, a polícia de São Paulo preferiu o estrelismo, dar entrevistas em vez de investigar e fazer um trabalho profissional capaz de dar suporte à indignação de enorme parcela da população brasileira como apurou recente pesquisa; preferiu produzir o show televisivo, que denominou de "reconstituição do crime", que não passou de uma ridícula exibição de egos, de baixa qualidade, com a incompreensível e desnecessária exibição de poderosas armas de guerra, de grosso calibre, portadas por policiais que andavam de um lado para outro sempre em frente às câmeras.
Agora, na conclusão do inquérito, percebe-se a reticência dos peritos em afirmar a causa da morte de Isabella. Foram dúbios. Constaram a asfixia da menina, relataram uma parada respiratória, mas não foram conclusivos em afirmar que Isabella morreu dentro do apartamento. Com essa falha, é provável que o brutal crime fique impune, pois os culpados só serão levados a júri se ficar comprovado, com dados técnicos indiscutíveis, que Isabella morreu da queda do 6º andar. Se essa prova não chegar, a nossa legislação penal considera crime culposo a agressão a um criança castigada por atitude supostamente incorreta, ainda que violenta e excessiva; no castigo imoderado não há intenção de matar. Raros os casos em que agressão a menor se enquadra em dolo eventual, aquele em que o agente não quis o resultado mas assumiu o risco de produzi-lo. Assim, o crime contra Isabella provalvelmente será considerado culposo, apesar de seguido de morte; e a pena será de 4 anos de reclusão, tempo que permite a soltura do culpado após cumprir 1/6 da pena. E nesse julgamento, não se deve esquecer que o juiz levará em conta que aquela família, minutos antes da morte de Isabella, foi filmada pelas câmeras de segurança de um shopping center passeando de mãos dadas na maior harmonia, razão pela qual ninguém em sã consciência pode dizer que já estavam preparando um assassinato.
Concluindo, a razão está o nosso Arnaldo Jabor. O Brasil precisa atualizar seu código penal. Há condutas que no passado eram consideradas crimes leves e que hoje são ações hediondas. É monstruoso jogar o corpo de uma criança da janela de um 6º andar; foi monstruoso queimar o corpo de Tim Lopes no alto de uma favela; foi monstruoso um médico retalhar o corpo da amante para encobrir seu crime . No entanto, esses crimes, no código atual, tem punição banal. Precisamos reescrever nosso código.
Antonio Augusto Dunshee de Abranches
O aumento da criminalidade violenta no pais levou os nossos meios de comunicação a abandonar o velho estilo de noticiar friamente os fatos e introduzir informações complementares, a fim de dar ao público elementos suficientes para tirar suas próprias conclusões acerca daquilo que receberam do noticiário. Exemplo dessa nova fase é o aditamento que jornais, rádios e televisões passaram a fazer após divulgarem um homicídio: "doloso - quando há intenção de matar; culposo - quando não há intenção de matar". Embora esses dois elementos isoladamente sejam insuficientes para se chegar a uma condenação, no caso da menina Isabella a população já fez um julgamento dos pais e pede para eles a aplicação da pena máxima. Isto significa que a maioria não se interessou em saber se houve dolo ou culpa, apesar da diferença muitas vezes repetida no amplo noticiário que se seguiu ao crime brutal.
Porém, para a justiça que vai julgar e aplicar a pena é essencial saber se a morte foi por agressão, seguida de asfixia, provocada por um parente num acesso de fúria; ou se foi conseqüência da queda do corpo do 6º andar do prédio onde moravam seu pai e sua madrasta. Isto porque, juridicamente, se a morte foi por espancamento, o crime é culposo - sem intenção de matar; se foi pela queda do 6º andar o crime e doloso - com intenção de matar. Mas, em vez de se concentrar na busca dessa prova vital para a condenação dos culpados, a polícia de São Paulo preferiu o estrelismo, dar entrevistas em vez de investigar e fazer um trabalho profissional capaz de dar suporte à indignação de enorme parcela da população brasileira como apurou recente pesquisa; preferiu produzir o show televisivo, que denominou de "reconstituição do crime", que não passou de uma ridícula exibição de egos, de baixa qualidade, com a incompreensível e desnecessária exibição de poderosas armas de guerra, de grosso calibre, portadas por policiais que andavam de um lado para outro sempre em frente às câmeras.
Agora, na conclusão do inquérito, percebe-se a reticência dos peritos em afirmar a causa da morte de Isabella. Foram dúbios. Constaram a asfixia da menina, relataram uma parada respiratória, mas não foram conclusivos em afirmar que Isabella morreu dentro do apartamento. Com essa falha, é provável que o brutal crime fique impune, pois os culpados só serão levados a júri se ficar comprovado, com dados técnicos indiscutíveis, que Isabella morreu da queda do 6º andar. Se essa prova não chegar, a nossa legislação penal considera crime culposo a agressão a um criança castigada por atitude supostamente incorreta, ainda que violenta e excessiva; no castigo imoderado não há intenção de matar. Raros os casos em que agressão a menor se enquadra em dolo eventual, aquele em que o agente não quis o resultado mas assumiu o risco de produzi-lo. Assim, o crime contra Isabella provalvelmente será considerado culposo, apesar de seguido de morte; e a pena será de 4 anos de reclusão, tempo que permite a soltura do culpado após cumprir 1/6 da pena. E nesse julgamento, não se deve esquecer que o juiz levará em conta que aquela família, minutos antes da morte de Isabella, foi filmada pelas câmeras de segurança de um shopping center passeando de mãos dadas na maior harmonia, razão pela qual ninguém em sã consciência pode dizer que já estavam preparando um assassinato.
Concluindo, a razão está o nosso Arnaldo Jabor. O Brasil precisa atualizar seu código penal. Há condutas que no passado eram consideradas crimes leves e que hoje são ações hediondas. É monstruoso jogar o corpo de uma criança da janela de um 6º andar; foi monstruoso queimar o corpo de Tim Lopes no alto de uma favela; foi monstruoso um médico retalhar o corpo da amante para encobrir seu crime . No entanto, esses crimes, no código atual, tem punição banal. Precisamos reescrever nosso código.
Intimidade e liberdade de informação
Intimidade e liberdade de informação ANTONIO AUGUSTO DUNSHEE DE ABRANCHES
Dois excelentes advogados cariocas publicaram artigos, na semana passada, comentando a publicação na imprensa de diálogos obtidos, confessadamente, através de um grampo telefônico, que revelou embates entre acionistas de uma empresa privada. Sérgio Bermudes, notável jurista da nova geração, sustentou que a publicação foi legítima, apesar de reconhecer que o grampo constitui uma "prática odiosa", "monstruosidade que mantém as pessoas em sobressalto". Mas, para ele, ninguém pode evitar a imprensa de divulgar o conteúdo de escutas ilegais, porque a Constituição "repele qualquer decisão judicial, liminar ou definitiva, que pretendesse impedir uma publicação jornalística". Citou os parágrafos 1º e 2º, do artigo 220: "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística, em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, XIII e XIV" e "É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística". Em sentido contrário, Sérgio Mazzillo, um vitorioso nas lides forenses, afirmou que o artigo 220 da Constituição é restrito, facultando apenas liberdade de informação, conceito que é diferente de liberdade de imprensa e não autoriza a divulgação do conteúdo de fitas criminosas em respeito ao direito à intimidade e à vida privada dos cidadãos. Como se vê, a divergência entre Bermudes e Mazzillo situa-se na delimitação da amplitude da liberdade de informação até a fronteira da intimidade.
Para ajudar os leitores na conclusão a que certamente querem chegar, ouso meter minha colher nesta controvérsia, para tentar mostrar como se chegou ao atual jornalismo-denúncia, valendo-me da minha experiência de jornalista, adquirida na época em que a imprensa brasileira começou a questionar a técnica de informação que vinha adotando, ante a concorrência que passou a sofrer da então estreante televisão. Isto aconteceu no final da década de 60, quando o modelo de redação vinha expresso no lead, palavra de origem inglesa, que significa "o principal". Os repórteres e redatores eram instados por seus chefes a redigir as notícias com um primeiro parágrafo, de cerca de cinco linhas, expondo apenas o fato, sem qualquer comentário ou adjetivação. No texto só cabia o "que, quem, quando e onde". O porquê ficava em segundo plano, no restante da matéria, que nem sempre era publicado, por questões de espaço.
Quando esta regra já estava absolutamente consolidada e praticada em quase todos os jornais, começaram a chegar à casa dos leitores, na hora do jantar, os noticiários da televisão, na época ricos em textos e pobres de imagens. A mesma notícia da TV, repetida no jornal do dia seguinte, estava irremediavelmente velha. Na tentativa de reverter aquela situação, que fazia cair assustadoramente o número de exemplares vendidos em banca, muitas pesquisas e seminários foram realizados, até que se aprovou a técnica da "superinformação", que consistia na obrigação de os repórteres e redatores produzirem textos mais detalhados sobre o fato, indo muito além do que a televisão poderia contar. O porquê ganhou relevo e surgiram as primeiras matérias assinadas, fora da página de opinião. Instituiu-se o repórter especializado no Itamarati, no Ministério da Fazenda, no Senado, na Câmara, na Economia, no Foro, etc., cada qual contando com um amplo espectro de informantes cativos, que se dispunham a acrescentar um algo mais no fato jornalístico - poder esse de que as televisões ainda não dispunham.
As revistas semanais de texto adoraram a idéia e a puseram em prática em larga escala. Dispondo de mais tempo para apuração e redação, passaram a editar quatro ou cinco páginas sobre assuntos visivelmente requentados. Porém, com o mau hábito de acrescentarem detalhes picantes - nem sempre verdadeiros - às notícias da semana, esses periódicos acabaram por sepultar o novo estilo, porque os leitores rapidamente nele identificaram a prática da chamada laranjada, que, no jargão jornalístico, significa espremer o suco da notícia, adicionar um pouco de água com açúcar e criar uma outra notícia, distanciada da original. Assim, surgiu o atual jornalismo-investigativo, que produz o fato para publicação. Novidade tão atraente que contagiou os jornais e fez terminar a era do jornalismo-verdade, que só publicava fatos produzidos por outrem, devidamente checados. A sucessão de denúncias assim construídas, inclusive as fundadas em escutas ilegais de telefones, fizeram aparecer os problemas que hoje estão atormentando chefes e editores de jornais e estimulam a ampla e democrática discussão que se vem travando entre os homens da lei (para quem é difícil admitir que o direito de informação contemple a livre divulgação de fatos produzidos pelos próprios meios de comunicação) e jornalistas (para os quais é difícil visualizar a diferença entre liberdade de informação e liberdade de imprensa).
Em que consiste a liberdade de informação? Para responder a essa difícil indagação, em primeiro lugar é imperioso admitir que existe diferença entre liberdade de imprensa e de informação. Sutil, mas visível. Liberdade de imprensa é aquela que dá aos meios de comunicação o direito de divulgar qualquer manifestação do pensamento, produzida pelo intelecto humano, sem compromisso com fatos. São as idéias cuja expressão fica a salvo de censura ou restrições de natureza política, ideológica ou artística. Liberdade de informação é o direito de a imprensa divulgar fatos verdadeiros, produzidos espontanemente fora das redações, por meios que não tenham violado a intimidade e a vida privada de cidadãos, assim entendidas as pessoas naturais e jurídicas de direito privado. A elas é que se destina a norma constitucional. Se o grampo tiver invadido a privacidade de quem tem esse direito, a publicação não pode ser autorizada pelo editor, a quem cabe decidir soberanamente.
Com efeito, no confronto entre regras constitucionais da mesma hierarquia (proibição de censura e respeito aos direitos individuais) nenhuma deve prevalecer sobre a outra. Os dispositivos constitucionais que regulam a matéria estão lado-a-lado na Constituição, ambos no artigo 5º; um no inciso IX, outro no inciso X. Completam-se e somam-se. Logo, a autorização de publicação de diálogos obtidos através de grampos violadores da intimidade fica submetida ao controle de um juiz, que seja acionado a pedido do prejudicado, porque nenhuma lesão de direito pode ser subtraída de apreciação pelo Poder Judiciário. Este também é o pensamento do respeitadíssimo José Carlos Barbosa Moreira, publicado na revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, vol.11, pag. 162. Após citar artigos da Constituição, disse que " ... se proibem a interceptação de conversa telefônica e a respectiva gravação, sem atendimento dos pressupostos constitucionais, e se nega à fita assim obtida valor probante, está igualmente proibida, é lógico, a divulgação do seu conteúdo".
Todavia, isto não se aplica aos gestores de dinheiro público. Os tribunais têm decidido que eles não têm intimidade a respeitar. São como a mulher de César: não basta que sejam honestos; têm que parecer. É óbvio, portanto, que há duas discussões paralelas. Uma, que analisa os grampos sob o ponto-de-vista da invasão contra pessoas de direito privado. Outra, muito diferente, quando há interesse público envolvido na escuta e na divulgação. Entretanto, há um detalhe a mais a observar pelo jornalismo-investigativo: denúncia, constitucionalmente, é ação privativa do Ministério Público. Se este órgão, legitimado para a defesa da democracia, é submetido ao controle de um juiz (que pode rejeitar a denúncia), como é possível a imprensa denunciar sem controle algum ?
AntONIO AUGUSTO DUNSHEE DE ABRANCHES é advogado
Dois excelentes advogados cariocas publicaram artigos, na semana passada, comentando a publicação na imprensa de diálogos obtidos, confessadamente, através de um grampo telefônico, que revelou embates entre acionistas de uma empresa privada. Sérgio Bermudes, notável jurista da nova geração, sustentou que a publicação foi legítima, apesar de reconhecer que o grampo constitui uma "prática odiosa", "monstruosidade que mantém as pessoas em sobressalto". Mas, para ele, ninguém pode evitar a imprensa de divulgar o conteúdo de escutas ilegais, porque a Constituição "repele qualquer decisão judicial, liminar ou definitiva, que pretendesse impedir uma publicação jornalística". Citou os parágrafos 1º e 2º, do artigo 220: "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística, em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, XIII e XIV" e "É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística". Em sentido contrário, Sérgio Mazzillo, um vitorioso nas lides forenses, afirmou que o artigo 220 da Constituição é restrito, facultando apenas liberdade de informação, conceito que é diferente de liberdade de imprensa e não autoriza a divulgação do conteúdo de fitas criminosas em respeito ao direito à intimidade e à vida privada dos cidadãos. Como se vê, a divergência entre Bermudes e Mazzillo situa-se na delimitação da amplitude da liberdade de informação até a fronteira da intimidade.
Para ajudar os leitores na conclusão a que certamente querem chegar, ouso meter minha colher nesta controvérsia, para tentar mostrar como se chegou ao atual jornalismo-denúncia, valendo-me da minha experiência de jornalista, adquirida na época em que a imprensa brasileira começou a questionar a técnica de informação que vinha adotando, ante a concorrência que passou a sofrer da então estreante televisão. Isto aconteceu no final da década de 60, quando o modelo de redação vinha expresso no lead, palavra de origem inglesa, que significa "o principal". Os repórteres e redatores eram instados por seus chefes a redigir as notícias com um primeiro parágrafo, de cerca de cinco linhas, expondo apenas o fato, sem qualquer comentário ou adjetivação. No texto só cabia o "que, quem, quando e onde". O porquê ficava em segundo plano, no restante da matéria, que nem sempre era publicado, por questões de espaço.
Quando esta regra já estava absolutamente consolidada e praticada em quase todos os jornais, começaram a chegar à casa dos leitores, na hora do jantar, os noticiários da televisão, na época ricos em textos e pobres de imagens. A mesma notícia da TV, repetida no jornal do dia seguinte, estava irremediavelmente velha. Na tentativa de reverter aquela situação, que fazia cair assustadoramente o número de exemplares vendidos em banca, muitas pesquisas e seminários foram realizados, até que se aprovou a técnica da "superinformação", que consistia na obrigação de os repórteres e redatores produzirem textos mais detalhados sobre o fato, indo muito além do que a televisão poderia contar. O porquê ganhou relevo e surgiram as primeiras matérias assinadas, fora da página de opinião. Instituiu-se o repórter especializado no Itamarati, no Ministério da Fazenda, no Senado, na Câmara, na Economia, no Foro, etc., cada qual contando com um amplo espectro de informantes cativos, que se dispunham a acrescentar um algo mais no fato jornalístico - poder esse de que as televisões ainda não dispunham.
As revistas semanais de texto adoraram a idéia e a puseram em prática em larga escala. Dispondo de mais tempo para apuração e redação, passaram a editar quatro ou cinco páginas sobre assuntos visivelmente requentados. Porém, com o mau hábito de acrescentarem detalhes picantes - nem sempre verdadeiros - às notícias da semana, esses periódicos acabaram por sepultar o novo estilo, porque os leitores rapidamente nele identificaram a prática da chamada laranjada, que, no jargão jornalístico, significa espremer o suco da notícia, adicionar um pouco de água com açúcar e criar uma outra notícia, distanciada da original. Assim, surgiu o atual jornalismo-investigativo, que produz o fato para publicação. Novidade tão atraente que contagiou os jornais e fez terminar a era do jornalismo-verdade, que só publicava fatos produzidos por outrem, devidamente checados. A sucessão de denúncias assim construídas, inclusive as fundadas em escutas ilegais de telefones, fizeram aparecer os problemas que hoje estão atormentando chefes e editores de jornais e estimulam a ampla e democrática discussão que se vem travando entre os homens da lei (para quem é difícil admitir que o direito de informação contemple a livre divulgação de fatos produzidos pelos próprios meios de comunicação) e jornalistas (para os quais é difícil visualizar a diferença entre liberdade de informação e liberdade de imprensa).
Em que consiste a liberdade de informação? Para responder a essa difícil indagação, em primeiro lugar é imperioso admitir que existe diferença entre liberdade de imprensa e de informação. Sutil, mas visível. Liberdade de imprensa é aquela que dá aos meios de comunicação o direito de divulgar qualquer manifestação do pensamento, produzida pelo intelecto humano, sem compromisso com fatos. São as idéias cuja expressão fica a salvo de censura ou restrições de natureza política, ideológica ou artística. Liberdade de informação é o direito de a imprensa divulgar fatos verdadeiros, produzidos espontanemente fora das redações, por meios que não tenham violado a intimidade e a vida privada de cidadãos, assim entendidas as pessoas naturais e jurídicas de direito privado. A elas é que se destina a norma constitucional. Se o grampo tiver invadido a privacidade de quem tem esse direito, a publicação não pode ser autorizada pelo editor, a quem cabe decidir soberanamente.
Com efeito, no confronto entre regras constitucionais da mesma hierarquia (proibição de censura e respeito aos direitos individuais) nenhuma deve prevalecer sobre a outra. Os dispositivos constitucionais que regulam a matéria estão lado-a-lado na Constituição, ambos no artigo 5º; um no inciso IX, outro no inciso X. Completam-se e somam-se. Logo, a autorização de publicação de diálogos obtidos através de grampos violadores da intimidade fica submetida ao controle de um juiz, que seja acionado a pedido do prejudicado, porque nenhuma lesão de direito pode ser subtraída de apreciação pelo Poder Judiciário. Este também é o pensamento do respeitadíssimo José Carlos Barbosa Moreira, publicado na revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, vol.11, pag. 162. Após citar artigos da Constituição, disse que " ... se proibem a interceptação de conversa telefônica e a respectiva gravação, sem atendimento dos pressupostos constitucionais, e se nega à fita assim obtida valor probante, está igualmente proibida, é lógico, a divulgação do seu conteúdo".
Todavia, isto não se aplica aos gestores de dinheiro público. Os tribunais têm decidido que eles não têm intimidade a respeitar. São como a mulher de César: não basta que sejam honestos; têm que parecer. É óbvio, portanto, que há duas discussões paralelas. Uma, que analisa os grampos sob o ponto-de-vista da invasão contra pessoas de direito privado. Outra, muito diferente, quando há interesse público envolvido na escuta e na divulgação. Entretanto, há um detalhe a mais a observar pelo jornalismo-investigativo: denúncia, constitucionalmente, é ação privativa do Ministério Público. Se este órgão, legitimado para a defesa da democracia, é submetido ao controle de um juiz (que pode rejeitar a denúncia), como é possível a imprensa denunciar sem controle algum ?
AntONIO AUGUSTO DUNSHEE DE ABRANCHES é advogado
Intimidade e liberdade de informação ANTONIO AUGUSTO DUNSHEE DE ABRANCHES
Dois excelentes advogados cariocas publicaram artigos, na semana passada, comentando a publicação na imprensa de diálogos obtidos, confessadamente, através de um grampo telefônico, que revelou embates entre acionistas de uma empresa privada. Sérgio Bermudes, notável jurista da nova geração, sustentou que a publicação foi legítima, apesar de reconhecer que o grampo constitui uma "prática odiosa", "monstruosidade que mantém as pessoas em sobressalto". Mas, para ele, ninguém pode evitar a imprensa de divulgar o conteúdo de escutas ilegais, porque a Constituição "repele qualquer decisão judicial, liminar ou definitiva, que pretendesse impedir uma publicação jornalística". Citou os parágrafos 1º e 2º, do artigo 220: "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística, em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, XIII e XIV" e "É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística". Em sentido contrário, Sérgio Mazzillo, um vitorioso nas lides forenses, afirmou que o artigo 220 da Constituição é restrito, facultando apenas liberdade de informação, conceito que é diferente de liberdade de imprensa e não autoriza a divulgação do conteúdo de fitas criminosas em respeito ao direito à intimidade e à vida privada dos cidadãos. Como se vê, a divergência entre Bermudes e Mazzillo situa-se na delimitação da amplitude da liberdade de informação até a fronteira da intimidade.
Para ajudar os leitores na conclusão a que certamente querem chegar, ouso meter minha colher nesta controvérsia, para tentar mostrar como se chegou ao atual jornalismo-denúncia, valendo-me da minha experiência de jornalista, adquirida na época em que a imprensa brasileira começou a questionar a técnica de informação que vinha adotando, ante a concorrência que passou a sofrer da então estreante televisão. Isto aconteceu no final da década de 60, quando o modelo de redação vinha expresso no lead, palavra de origem inglesa, que significa "o principal". Os repórteres e redatores eram instados por seus chefes a redigir as notícias com um primeiro parágrafo, de cerca de cinco linhas, expondo apenas o fato, sem qualquer comentário ou adjetivação. No texto só cabia o "que, quem, quando e onde". O porquê ficava em segundo plano, no restante da matéria, que nem sempre era publicado, por questões de espaço.
Quando esta regra já estava absolutamente consolidada e praticada em quase todos os jornais, começaram a chegar à casa dos leitores, na hora do jantar, os noticiários da televisão, na época ricos em textos e pobres de imagens. A mesma notícia da TV, repetida no jornal do dia seguinte, estava irremediavelmente velha. Na tentativa de reverter aquela situação, que fazia cair assustadoramente o número de exemplares vendidos em banca, muitas pesquisas e seminários foram realizados, até que se aprovou a técnica da "superinformação", que consistia na obrigação de os repórteres e redatores produzirem textos mais detalhados sobre o fato, indo muito além do que a televisão poderia contar. O porquê ganhou relevo e surgiram as primeiras matérias assinadas, fora da página de opinião. Instituiu-se o repórter especializado no Itamarati, no Ministério da Fazenda, no Senado, na Câmara, na Economia, no Foro, etc., cada qual contando com um amplo espectro de informantes cativos, que se dispunham a acrescentar um algo mais no fato jornalístico - poder esse de que as televisões ainda não dispunham.
As revistas semanais de texto adoraram a idéia e a puseram em prática em larga escala. Dispondo de mais tempo para apuração e redação, passaram a editar quatro ou cinco páginas sobre assuntos visivelmente requentados. Porém, com o mau hábito de acrescentarem detalhes picantes - nem sempre verdadeiros - às notícias da semana, esses periódicos acabaram por sepultar o novo estilo, porque os leitores rapidamente nele identificaram a prática da chamada laranjada, que, no jargão jornalístico, significa espremer o suco da notícia, adicionar um pouco de água com açúcar e criar uma outra notícia, distanciada da original. Assim, surgiu o atual jornalismo-investigativo, que produz o fato para publicação. Novidade tão atraente que contagiou os jornais e fez terminar a era do jornalismo-verdade, que só publicava fatos produzidos por outrem, devidamente checados. A sucessão de denúncias assim construídas, inclusive as fundadas em escutas ilegais de telefones, fizeram aparecer os problemas que hoje estão atormentando chefes e editores de jornais e estimulam a ampla e democrática discussão que se vem travando entre os homens da lei (para quem é difícil admitir que o direito de informação contemple a livre divulgação de fatos produzidos pelos próprios meios de comunicação) e jornalistas (para os quais é difícil visualizar a diferença entre liberdade de informação e liberdade de imprensa).
Em que consiste a liberdade de informação? Para responder a essa difícil indagação, em primeiro lugar é imperioso admitir que existe diferença entre liberdade de imprensa e de informação. Sutil, mas visível. Liberdade de imprensa é aquela que dá aos meios de comunicação o direito de divulgar qualquer manifestação do pensamento, produzida pelo intelecto humano, sem compromisso com fatos. São as idéias cuja expressão fica a salvo de censura ou restrições de natureza política, ideológica ou artística. Liberdade de informação é o direito de a imprensa divulgar fatos verdadeiros, produzidos espontanemente fora das redações, por meios que não tenham violado a intimidade e a vida privada de cidadãos, assim entendidas as pessoas naturais e jurídicas de direito privado. A elas é que se destina a norma constitucional. Se o grampo tiver invadido a privacidade de quem tem esse direito, a publicação não pode ser autorizada pelo editor, a quem cabe decidir soberanamente.
Com efeito, no confronto entre regras constitucionais da mesma hierarquia (proibição de censura e respeito aos direitos individuais) nenhuma deve prevalecer sobre a outra. Os dispositivos constitucionais que regulam a matéria estão lado-a-lado na Constituição, ambos no artigo 5º; um no inciso IX, outro no inciso X. Completam-se e somam-se. Logo, a autorização de publicação de diálogos obtidos através de grampos violadores da intimidade fica submetida ao controle de um juiz, que seja acionado a pedido do prejudicado, porque nenhuma lesão de direito pode ser subtraída de apreciação pelo Poder Judiciário. Este também é o pensamento do respeitadíssimo José Carlos Barbosa Moreira, publicado na revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, vol.11, pag. 162. Após citar artigos da Constituição, disse que " ... se proibem a interceptação de conversa telefônica e a respectiva gravação, sem atendimento dos pressupostos constitucionais, e se nega à fita assim obtida valor probante, está igualmente proibida, é lógico, a divulgação do seu conteúdo".
Todavia, isto não se aplica aos gestores de dinheiro público. Os tribunais têm decidido que eles não têm intimidade a respeitar. São como a mulher de César: não basta que sejam honestos; têm que parecer. É óbvio, portanto, que há duas discussões paralelas. Uma, que analisa os grampos sob o ponto-de-vista da invasão contra pessoas de direito privado. Outra, muito diferente, quando há interesse público envolvido na escuta e na divulgação. Entretanto, há um detalhe a mais a observar pelo jornalismo-investigativo: denúncia, constitucionalmente, é ação privativa do Ministério Público. Se este órgão, legitimado para a defesa da democracia, é submetido ao controle de um juiz (que pode rejeitar a denúncia), como é possível a imprensa denunciar sem controle algum ?
AntONIO AUGUSTO DUNSHEE DE ABRANCHES é advogado
Dois excelentes advogados cariocas publicaram artigos, na semana passada, comentando a publicação na imprensa de diálogos obtidos, confessadamente, através de um grampo telefônico, que revelou embates entre acionistas de uma empresa privada. Sérgio Bermudes, notável jurista da nova geração, sustentou que a publicação foi legítima, apesar de reconhecer que o grampo constitui uma "prática odiosa", "monstruosidade que mantém as pessoas em sobressalto". Mas, para ele, ninguém pode evitar a imprensa de divulgar o conteúdo de escutas ilegais, porque a Constituição "repele qualquer decisão judicial, liminar ou definitiva, que pretendesse impedir uma publicação jornalística". Citou os parágrafos 1º e 2º, do artigo 220: "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística, em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, XIII e XIV" e "É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística". Em sentido contrário, Sérgio Mazzillo, um vitorioso nas lides forenses, afirmou que o artigo 220 da Constituição é restrito, facultando apenas liberdade de informação, conceito que é diferente de liberdade de imprensa e não autoriza a divulgação do conteúdo de fitas criminosas em respeito ao direito à intimidade e à vida privada dos cidadãos. Como se vê, a divergência entre Bermudes e Mazzillo situa-se na delimitação da amplitude da liberdade de informação até a fronteira da intimidade.
Para ajudar os leitores na conclusão a que certamente querem chegar, ouso meter minha colher nesta controvérsia, para tentar mostrar como se chegou ao atual jornalismo-denúncia, valendo-me da minha experiência de jornalista, adquirida na época em que a imprensa brasileira começou a questionar a técnica de informação que vinha adotando, ante a concorrência que passou a sofrer da então estreante televisão. Isto aconteceu no final da década de 60, quando o modelo de redação vinha expresso no lead, palavra de origem inglesa, que significa "o principal". Os repórteres e redatores eram instados por seus chefes a redigir as notícias com um primeiro parágrafo, de cerca de cinco linhas, expondo apenas o fato, sem qualquer comentário ou adjetivação. No texto só cabia o "que, quem, quando e onde". O porquê ficava em segundo plano, no restante da matéria, que nem sempre era publicado, por questões de espaço.
Quando esta regra já estava absolutamente consolidada e praticada em quase todos os jornais, começaram a chegar à casa dos leitores, na hora do jantar, os noticiários da televisão, na época ricos em textos e pobres de imagens. A mesma notícia da TV, repetida no jornal do dia seguinte, estava irremediavelmente velha. Na tentativa de reverter aquela situação, que fazia cair assustadoramente o número de exemplares vendidos em banca, muitas pesquisas e seminários foram realizados, até que se aprovou a técnica da "superinformação", que consistia na obrigação de os repórteres e redatores produzirem textos mais detalhados sobre o fato, indo muito além do que a televisão poderia contar. O porquê ganhou relevo e surgiram as primeiras matérias assinadas, fora da página de opinião. Instituiu-se o repórter especializado no Itamarati, no Ministério da Fazenda, no Senado, na Câmara, na Economia, no Foro, etc., cada qual contando com um amplo espectro de informantes cativos, que se dispunham a acrescentar um algo mais no fato jornalístico - poder esse de que as televisões ainda não dispunham.
As revistas semanais de texto adoraram a idéia e a puseram em prática em larga escala. Dispondo de mais tempo para apuração e redação, passaram a editar quatro ou cinco páginas sobre assuntos visivelmente requentados. Porém, com o mau hábito de acrescentarem detalhes picantes - nem sempre verdadeiros - às notícias da semana, esses periódicos acabaram por sepultar o novo estilo, porque os leitores rapidamente nele identificaram a prática da chamada laranjada, que, no jargão jornalístico, significa espremer o suco da notícia, adicionar um pouco de água com açúcar e criar uma outra notícia, distanciada da original. Assim, surgiu o atual jornalismo-investigativo, que produz o fato para publicação. Novidade tão atraente que contagiou os jornais e fez terminar a era do jornalismo-verdade, que só publicava fatos produzidos por outrem, devidamente checados. A sucessão de denúncias assim construídas, inclusive as fundadas em escutas ilegais de telefones, fizeram aparecer os problemas que hoje estão atormentando chefes e editores de jornais e estimulam a ampla e democrática discussão que se vem travando entre os homens da lei (para quem é difícil admitir que o direito de informação contemple a livre divulgação de fatos produzidos pelos próprios meios de comunicação) e jornalistas (para os quais é difícil visualizar a diferença entre liberdade de informação e liberdade de imprensa).
Em que consiste a liberdade de informação? Para responder a essa difícil indagação, em primeiro lugar é imperioso admitir que existe diferença entre liberdade de imprensa e de informação. Sutil, mas visível. Liberdade de imprensa é aquela que dá aos meios de comunicação o direito de divulgar qualquer manifestação do pensamento, produzida pelo intelecto humano, sem compromisso com fatos. São as idéias cuja expressão fica a salvo de censura ou restrições de natureza política, ideológica ou artística. Liberdade de informação é o direito de a imprensa divulgar fatos verdadeiros, produzidos espontanemente fora das redações, por meios que não tenham violado a intimidade e a vida privada de cidadãos, assim entendidas as pessoas naturais e jurídicas de direito privado. A elas é que se destina a norma constitucional. Se o grampo tiver invadido a privacidade de quem tem esse direito, a publicação não pode ser autorizada pelo editor, a quem cabe decidir soberanamente.
Com efeito, no confronto entre regras constitucionais da mesma hierarquia (proibição de censura e respeito aos direitos individuais) nenhuma deve prevalecer sobre a outra. Os dispositivos constitucionais que regulam a matéria estão lado-a-lado na Constituição, ambos no artigo 5º; um no inciso IX, outro no inciso X. Completam-se e somam-se. Logo, a autorização de publicação de diálogos obtidos através de grampos violadores da intimidade fica submetida ao controle de um juiz, que seja acionado a pedido do prejudicado, porque nenhuma lesão de direito pode ser subtraída de apreciação pelo Poder Judiciário. Este também é o pensamento do respeitadíssimo José Carlos Barbosa Moreira, publicado na revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, vol.11, pag. 162. Após citar artigos da Constituição, disse que " ... se proibem a interceptação de conversa telefônica e a respectiva gravação, sem atendimento dos pressupostos constitucionais, e se nega à fita assim obtida valor probante, está igualmente proibida, é lógico, a divulgação do seu conteúdo".
Todavia, isto não se aplica aos gestores de dinheiro público. Os tribunais têm decidido que eles não têm intimidade a respeitar. São como a mulher de César: não basta que sejam honestos; têm que parecer. É óbvio, portanto, que há duas discussões paralelas. Uma, que analisa os grampos sob o ponto-de-vista da invasão contra pessoas de direito privado. Outra, muito diferente, quando há interesse público envolvido na escuta e na divulgação. Entretanto, há um detalhe a mais a observar pelo jornalismo-investigativo: denúncia, constitucionalmente, é ação privativa do Ministério Público. Se este órgão, legitimado para a defesa da democracia, é submetido ao controle de um juiz (que pode rejeitar a denúncia), como é possível a imprensa denunciar sem controle algum ?
AntONIO AUGUSTO DUNSHEE DE ABRANCHES é advogado
Curriculum Vitae
CURRICULUM VITAE
ANTONIO AUGUSTO DUNSHEE DE ABRANCHES
Dados Pessoais: Brasileiro, casado, advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Rio de Janeiro, sob n. 13.637, CPF n. 007.861.447-34 e no RG do Instituto Félix Pacheco n. 1.219.562, residente n a rua General Venâncio Flores, n. 71, apto 1001, Leblon, Rio de Janeiro, com escritório na Av. Franklin Roosevelt, n,23, sala 808, telefone 2532-0044, filho de CARLOS ALBERTO DUNSHEE DE ABRANCHES e HILDA DUNSHEE DE ABRANCHES, nascido em 25 de outubro de 1936.
Formação Cultural: Curso Primário - Colégio Mello e Souza (RJ) Curso Secundário - Colégio Pedro 11 (RJ); Curso Superior - Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Petrópolis (RJ) - turma de 1963.
Extensão Universitária: Curso de Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1967; Curso de Direito Eleitoral no Centro de Estudos Políticos do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, em 1969.
Atividade Pública: Junta Comercial do antigo Estado da Guanabara - Assessor Técnico nomeado pelo Decreto "P" n. 5188, de 18 de dezembro de 1967; Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro - Assistente do Procurador Regional, nomeado pelo Decreto de 19 de janeiro de 1979; Secretaria de Planejamento do Governo do Estado do Rio de Janeiro - Assistente do Secretário nomeado por Decreto de 29 de outubro de 1980; Exercício ininterrupto, durante 11 anos, do cargo de parecerista da Procuradoria da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro Secretário do Ministro CARLOS MEDEIROS SILVA na elaboração do anteprojeto da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em 1975.
Atividade Profissional: Advogado militante no foro do Estado do Rio de Janeiro, desde 1960, inicialmente como Solicitador Acadêmico e finalmente como sócio dos Escritórios de Advocacia "C.A. Dunshee de Abranches" e "Carlos Machado Medeiros - Advogados" , patrocinando causas de empresas diversas, tais como: Jean Manzon Produções Cinematográficas Ltda.; Datamec S/A - Sistemas e Processamento de Dados; Assessor - Serviços de Imprensa S/A Publicitá - Propaganda e Marketing Ltda.; Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro (BD-Rio). Bestline Products do Brasil S/A; Oscar Iskin Indústria e Comércio S/A; Estanave - Estaleiros da Amazônia S/A; Nora Lage S/A - Comércio e Indústria; José Maria Rollas e Cia.; Lloyd Industrial Sul Americano; Montecatini Edson s.p.a.; Stauffer Chemical Company; Instron Corporation; Fichet S/A; Capus Participações e Representações S/A; Gravadora Tape-Spot Ltda; Art Rio Cinematográfica Ltda.; Entrelivros Editora Ltda.; Castelinho - Bar Ltda.; e outras.
Outras Atividades: Conferencista no Curso de Direito de Família organizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Rio de Janeiro, em 1984; Presidente do Clube de Regatas do Flamengo, de 1981 a 1983; Repórter Judiciário do Jornal do Brasil, de 1961 a 1973; Monografia sobre "Invalidade de Gravação Telefônica como Meio de Prova Civil", em 1975, acolhida unanimemente pelo Supremo Tribunal Federal no acórdão do RE 85.439; Vice-Presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasi¬leira de Direito de Família.
Títulos: Incluído na lista tríplice elaborada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 4 de julho de 1985, para preenchimento de uma vaga de Juiz Efetivo do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro; incluído na lista tríplice e laborada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em 16 de dezembro de 1987, para preenchimento de uma vaga de Juiz Efetivo do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.
ANTONIO AUGUSTO DUNSHEE DE ABRANCHES
Dados Pessoais: Brasileiro, casado, advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Rio de Janeiro, sob n. 13.637, CPF n. 007.861.447-34 e no RG do Instituto Félix Pacheco n. 1.219.562, residente n a rua General Venâncio Flores, n. 71, apto 1001, Leblon, Rio de Janeiro, com escritório na Av. Franklin Roosevelt, n,23, sala 808, telefone 2532-0044, filho de CARLOS ALBERTO DUNSHEE DE ABRANCHES e HILDA DUNSHEE DE ABRANCHES, nascido em 25 de outubro de 1936.
Formação Cultural: Curso Primário - Colégio Mello e Souza (RJ) Curso Secundário - Colégio Pedro 11 (RJ); Curso Superior - Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Petrópolis (RJ) - turma de 1963.
Extensão Universitária: Curso de Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1967; Curso de Direito Eleitoral no Centro de Estudos Políticos do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, em 1969.
Atividade Pública: Junta Comercial do antigo Estado da Guanabara - Assessor Técnico nomeado pelo Decreto "P" n. 5188, de 18 de dezembro de 1967; Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro - Assistente do Procurador Regional, nomeado pelo Decreto de 19 de janeiro de 1979; Secretaria de Planejamento do Governo do Estado do Rio de Janeiro - Assistente do Secretário nomeado por Decreto de 29 de outubro de 1980; Exercício ininterrupto, durante 11 anos, do cargo de parecerista da Procuradoria da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro Secretário do Ministro CARLOS MEDEIROS SILVA na elaboração do anteprojeto da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em 1975.
Atividade Profissional: Advogado militante no foro do Estado do Rio de Janeiro, desde 1960, inicialmente como Solicitador Acadêmico e finalmente como sócio dos Escritórios de Advocacia "C.A. Dunshee de Abranches" e "Carlos Machado Medeiros - Advogados" , patrocinando causas de empresas diversas, tais como: Jean Manzon Produções Cinematográficas Ltda.; Datamec S/A - Sistemas e Processamento de Dados; Assessor - Serviços de Imprensa S/A Publicitá - Propaganda e Marketing Ltda.; Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro (BD-Rio). Bestline Products do Brasil S/A; Oscar Iskin Indústria e Comércio S/A; Estanave - Estaleiros da Amazônia S/A; Nora Lage S/A - Comércio e Indústria; José Maria Rollas e Cia.; Lloyd Industrial Sul Americano; Montecatini Edson s.p.a.; Stauffer Chemical Company; Instron Corporation; Fichet S/A; Capus Participações e Representações S/A; Gravadora Tape-Spot Ltda; Art Rio Cinematográfica Ltda.; Entrelivros Editora Ltda.; Castelinho - Bar Ltda.; e outras.
Outras Atividades: Conferencista no Curso de Direito de Família organizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Rio de Janeiro, em 1984; Presidente do Clube de Regatas do Flamengo, de 1981 a 1983; Repórter Judiciário do Jornal do Brasil, de 1961 a 1973; Monografia sobre "Invalidade de Gravação Telefônica como Meio de Prova Civil", em 1975, acolhida unanimemente pelo Supremo Tribunal Federal no acórdão do RE 85.439; Vice-Presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasi¬leira de Direito de Família.
Títulos: Incluído na lista tríplice elaborada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em 4 de julho de 1985, para preenchimento de uma vaga de Juiz Efetivo do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro; incluído na lista tríplice e laborada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em 16 de dezembro de 1987, para preenchimento de uma vaga de Juiz Efetivo do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.
Prós e contras do estádio do Flamengo
Prós e contras o estádio do Flamengo
Antonio Augusto Dunshee de Abranches
Um estádio com 30 mil lugares é muito pequeno para abrigar a imensa torcida do Flamengo, assim diria o Conselheiro Acácio. Sobretudo sabendo que o Maracanã está no final de uma grande reforma e o João Havelange deve ficar pronto em julho. Por isso, o anúncio da construção desse diminuto estádio não esconde tratar-se de um artifício para encobrir o verdadeiro intuito dos grupos financiadores, ou seja, pagar barato para fazer e explorar um shopping center no super valorizado terreno de 70 mil metros quadrados às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas. O engodo é visível. O estádio (há quem diga que serão apenas 25 mil) é o "torrão de açúcar" para sensibilizar os sócios a aprovarem um projeto que vai criar mais problemas que soluções, o principal dos quais será a necessidade de cobrar altos preços pelos ingressos, transformando em elitista o clube mais popular do país.
Portanto, há necessidade de um amplo debate antes de levar adiante um projeto dessa grandeza, com os riscos naturais de um movimento patrimonial que pode se tornar irreversível no futuro. O Flamengo precisa recuperar o interesse e o voto dos seus 4 mil sócios-proprietários, que andam desaparecidos, e com eles formatar um modelo de gestão do clube à altura do empreendimento anunciado. É essencial esclarecer a todos que a construção de benfeitorias no terreno da Gávea, com prioridade comercial, pode resultar na perda da nossa posse do imóvel, do qual temos apenas o domínio útil, um aforamento com destinação específica para atividades esportivas. Há um problema jurídico relevante a enfrentar, mesmo que o Estado do Rio de Janeiro, o poder concedente, tenha autorizado a construção para dar apoio à atividade esportiva. Quem será o dono do shopping? Quem vai explorar o shopping se houver litígio com o financiador?
Tais questionamentos são mais do que pertinentes, pois o Flamengo tem uma lamentável história em todos os empreendimentos não esportivos em que se envolveu. E os que estão hoje à frente do projeto shopping são os mesmos que no passado não tiveram a habilidade necessária à proteção do patrimônio do clube. Nos anos 50, ganhamos de graça o terreno e um prédio na Avenida Rui Barbosa, com 144 apartamentos, praticamente doados pelo governo federal, através de um extinto instituto de pensão. Durante alguns tempo, nos proporcionou boa renda mensal de aluguéis residenciais, mas logo passou a abrigar parentes de dirigentes, atletas de esportes amadores e outros apaniguados, o que levou o prédio a estar hoje sem conservação em quase ruína. Em 1977, usamos o terreno da antiga sede, na Praia do Flamengo, 66, berço do Flamengo, num ousado projeto, chamado pomposamente de "substituição de patrimônio" e fizemos uma parceria com importante construtora. O prédio ficou pronto, as muitas salas que nos eram devidas foram entregues no prazo, mas em menos de 5 anos estavam todas vendidas para pagar dívidas do clube, sobretudo salários atrasados; e não temos nem mais a placa histórica que indicava onde nasceu o clube mais querido do Brasil. No meio dos anos 80, resolvemos usar uma parte nobre do terreno da Gávea para construir uma sede social, com a qual os sócios sonhavam há anos. Mas, logo no começo, as fundações foram cravadas ao contrário, os fundos para a frente e a frente para os fundos, erro enorme que se transformou em motivo de chacota pelos nossos adversários. E, até hoje, passados cerca de 20 anos, só metade da sede está em uso, porque o Flamengo não teve capacidade para solucionar um problema que dá a outra metade à construtora. Em 2000, tivemos a parceria com a ISL, contrato que nos renderia 80 milhões de dólares, mas o Flamengo não teve habilidade para perceber que a empresa era um "tamborete" suíço usado por pessoas inescrupulosas que usaram clubes e entidades para arrancar dinheiro de fundos norte-americanos. Dos 60 milhões de dólares que efetivamente entraram nos cofres do Flamengo só temos notícia para lamentar o mau uso.
Com tantos precedentes negativos, é forçoso convir que o projeto do shopping-estádio não pode ser discutido apenas pelos 1200 sócios que compareceram à última eleição. O erro do passado, que introduziu eleição direta no clube, afastou a maioria dos 4 mil sócios-proprietários e precisa ser corrigido Afinal, o clube vem sendo gerido pela vontade de pais e mães que levam seus filhos para nadar e fazer ginástica, muitos dos quais sequer torcem pelo Flamengo. E pela voz e voto de chefes de torcida. O resultado disso tem sido a repetição de salários atrasados, enormes dívidas previdenciárias e fiscais e um passivo trabalhista de tal ordem que inviabilizaria qualquer empresa séria.
Um estádio de 30 mil lugares vai apequenar o Flamengo, um clube de 150 milhões de torcedores. Urge que a maioria dos sócios-proprietários apareça para não permitir a provável perda do último patrimônio que nos resta. O terreno da Gávea é sagrado e não deve ter outra utilização que não seja transformar-se no maior centro de treinamento das Américas, de onde surgirão os craques que necessitamos para formar outros grandes times.
Antonio Augusto Dunshee de Abranches é ex-presidente e grande benemérito do Flamengo
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