quinta-feira, 28 de abril de 2011

Mania de iludir

Mania de Iludir (O Globo /02/06/05)
Antonio Augusto Dunshee de Abranches
Quem conhece um pouco do funcionamento interno de um clube de futebol profissional sabe que o problema maior que os aflige, o que gera as astronômicas dívidas com a Receita Federal e a Previdência Social, é o enquadramento legal da associação desportiva - sem fim lucrativo - como uma empresa qualquer, que é obrigada a recolher aos cofres públicos mais de 100% do salário que paga aos profissionais que lhe servem. Sim, porque um clube de futebol profissional não tem nada de parecido com uma empresa, a começar pela necessidade de contratar profissionais por tempo certo, apenas para uma temporada, um campeonato ou um torneio. Clube nenhum acena para os que lhe servem com uma carreira sólida, com promoções e patamares salariais. Isso ficou mais evidente depois da Lei Pelé, que acabou com o vínculo dos jogadores aos clubes pela simples inscrição deles nas federações; e impôs que a ligação seja feita por contrato, de prazo determinado, ao fim do qual o atleta estará livre para se transferir para onde quiser. Não há nada mais palpável que a precariedade das relações entre clubes e profissionais do esporte. Proporcionalmente, são raros os casos de ex-atletas que se tornam funcionários dos clubes e lá permaneceram trabalhando, em busca de promoções, como acontece nas verdadeiras empresas, que possuem regras definidas para o acesso vertical.
Os clubes de futebol profissional nunca tiveram uma receita definida, que permitisse a elaboração de um orçamento confiável e uma vida empresarial autêntica. Tudo que se fala sobre clube-empresa é uma utopia. Não pode ser empresa uma entidade que faz o seu caixa em função do que arrecada na bilheteria dos estádios, sujeito a chuvas e trovoadas; e eventualmente na venda de um jogador para o exterior. Esta situação só é melhor para uns poucos, que não podem servir como exemplo, porque são os bafejados por grandes torcidas, que conseguem bons patrocínios e cotas satisfatórias pela transmissões da televisão. Porém, mesmo entre estes, apenas dois conseguiram parcerias por prazo superior a um ano. A maioria fica dependendo do resultado do time em campo para tentar uma renovação.
Por falta de uma estrutura financeira real, quase todos trazem do passado uma enorme dívida previdenciária e fiscal, que decorre de uma apuração unilateral, imposta pela fiscalização oficial, com base em estimativas de faturamento inexistente. O governo federal sabe disso, mas fecha os olhos para as verdadeiras causas do problema. Agora, anuncia o Timemania como uma dádiva e salvação, mas incoerentemente concede apenas 5 anos para quitação desse passivo, que se sabe, de antemão, ser impossível de pagar em tão curto período. O leitor há de concordar que não tem cabimento um clube continuar a ser forçado, pelas leis de mercado, a pagar mais de R$ 100 mil por mês a um jogador ou a um técnico e ter essa despesa dobrada com o recolhimento dos encargos sociais ao INSS e ao Fundo de Garantia. Essa é uma verdade que os clubes de futebol profissional esperam fazer ver ao Congresso Nacional, a fim de levar deputados e senadores a aproveitarem a oportunidade que lhes foi aberta com a Medida Provisória que instituiu o Timemania e introduzirem três modificações legislativas verdadeiramente salvadoras: primeira - permissão para que os profissionais de esporte (jogadores, técnicos e assistentes, preparadores físicos, médicos, massagistas etc) sejam admitidos nos clubes como autônomos, só se tornando empregados se ficarem mais de dois anos no serviço; segunda - abertura de prazo para revisão da anunciada dívida previdenciária e fiscal dos clubes; terceira - ampliação para 30 anos do prazo para a quitação da dívida que vier a ser apurada. Caso contrário, governo federal e clube continuarão a viver a mentira de que um finge que cobra e o outro finge que paga.

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